Um pouco sobre consistĂȘncia e liberdade criativa

2020 foi um ano muito doido. Quando eu tinha de imaginar eu acordando Ă s 10 am sem culpa, e ir passar um cafĂ© tĂŁo despreocupada sem nem saber que dia da semana estava.  Eu tive muita sorte.  O perĂ­odo antes da pandemia eu me vejo como se estivesse em um trem, que avançava rĂĄpido e…

2020 foi um ano muito doido.

Quando eu tinha de imaginar eu acordando Ă s 10 am sem culpa, e ir passar um cafĂ© tĂŁo despreocupada sem nem saber que dia da semana estava. 

Eu tive muita sorte. 

O perĂ­odo antes da pandemia eu me vejo como se estivesse em um trem, que avançava rĂĄpido e mais rĂĄpido
  o destino  nĂŁo era anunciado, e eu nĂŁo tinha certeza para onde avançava, e nĂŁo conseguia encontrar nem meu bilhete, de tamanha confusĂŁo. 

Neste ano em que muitas coisas não aconteceram, em diversos aspectos econÎmicos, ao mesmo tempo muitas coisas foram possíveis de acontecer, em esferas particulares e pessoais. Finalmente comecei a olhar para fora, pela janela do trem, e consequentemente também para dentro de mim.

 A rotina ou a falta de tempo nĂŁo eram mais desculpas, estĂĄvamos todos na mesma viagem, sĂł nos restava portanto esperar a prĂłxima parada, ou o destino final, ainda nĂŁo descobri. O que sei Ă© que durante esse perĂ­odo eu tive a chance, mais precisamente, o privilĂ©gio de explorar a jornada. É percebi que em algum momento aĂ­ no meio sutilmente o trem alterou seu percurso, mudou de via. 

Hoje sinto-me mais confiante no meu trabalho, e consigo entender algumas atividades que mais me auxiliaram a conseguir chegar lĂĄ, dentre elas estĂŁo: 

  • Permitir cometer erros, fazer as coisas sĂł por diversĂŁo, fazer algo sĂł para sentir como Ă© fazer esse algo, sem esperar qualquer resultado disso.
  • Rabiscar algo todos os dias. Vale desenhar o que te vem Ă  cabeça ou coisas  aleatĂłrias que via – o famoso doodle em inglĂȘs. 
  • Repeti o mesmo desenho (objeto de interesse) muitas vezes, tentando explorar outras particularidades que possam ter passado despercebido, fiz opçÔes mais rĂĄpidas, outras mais detalhadas de ĂĄreas diferentes, e o resultado geralmente Ă© um conjunto desse experimento, aprendi que colocar muita expectativa Ă© energia no primeiro, quase sempre leva a frustração.
  • Reconheci a importĂąncia de ir a um museu e apreciar, mesmo que online, pinturas renomadas, tentando pontuar quais foram as escolhas do artista, porque das cores, das formas, o que eu sinto ao olhar? Como estĂĄ distribuĂ­do o peso dos elementos na composição, etc


Principalmente a rotina de rabiscar o que vejo pela frente, sem barreiras, foi o que mais me ajudou a desconectar a barreira mĂŁo – cĂ©rebro, e me permitiu pensar pouco ou quase nada sobre o que eu estou vendo, Ă© deixar o lĂĄpis ir, sem bloqueios. O hĂĄbito de desenhar regularmente tambĂ©m me ajuda a manter o contato com o papel e lĂĄpis, jĂĄ que  quando se desenha muito no digital nĂŁo sei vocĂȘs, mas comigo parece que perco um pouco a precisĂŁo do movimento do lĂĄpis, igual quando ficamos muito tempo sem escrever algo sĂł usando o computador, celular por exemplo.

Com isso consegui entender melhor o meu processo criativo.

Antes eu desenhava o que me dava na telha, usando materiais diversos, que no fim eu nĂŁo me lembrava direito quais foram em qual ordem, cada desenho no fim ficava diferente, isso Ă© ruim? NĂŁo, mas hoje que jĂĄ entendi essa rotina quase um mĂ©todo na verdade, consigo criar consistĂȘncia no meu trabalho, coisa que antes eu nĂŁo tinha.

Eu só consegui chegar nisso porque no dia anterior havia desenhado, é me lembrava bem, e no dia seguinte resolvi apostar na mesma técnica com uma assunto diferente, arriscando mais, num exercicio de tentativas e erros, porém de maneira mais consciente.

Acredito que compartilho pouco do processo “por trĂĄs” das minhas ilustraçÔes, Ă© esse Ă© um assunto que pode ser interessante falar por aqui, jĂĄ que agora eu tenho um blog, entĂŁo porque nĂŁo!?

Para puxar essa ideia vou mostrar alguns “originais”, que agora ja estao decorando a casa de um grande amigo em Ediburgo. Esses desenhos, que categorizam-se em Urban Sketch, eu fiz em cada um em diferentes momentos, mas seguindo quase o padrao onde sentei com uma xicara de cafĂ© (ou um copo de vinho rs) coloco uma musica e deixo o lĂĄpis ir

Meu desenho geralmente inicia bem quadradĂŁo, estudei design de produto, entĂŁo geralmente eu inicio sempre “enquadrando” a perspectiva (O que Ă s vezes me trava de continuar vĂĄrios desenhos, se eu acho que a perspectiva nĂŁo ficou boa por exemplo), depois e definir alguns blocos de forma vou acrescentando detalhes e mais detalhes, a quantidade sempre vai depender do tempo que fico ali, totalmente relacionado ao tempo/temperatura, ou seja congelante. Em alguns casos eu resisti fiz com 10 minutos, outros fui finalizar sĂł em casa depois.

Esses desenhos que hoje fazem parte de uma sĂ©rie de 4 foram feitos em varios momentos diferentes, e eu consegui “repetir” justamente graças ao mĂ©todo que consegui desenvolver, foram todos feitos inicialmente pelas ruas da regiĂŁo velha da cidade de Edimburgo, onde vivo, os traços iniciais de lĂĄpis com alguns detalhes precisos com caneta nanquim de ponta fina.

JĂĄ em casa se for o caso, adiciono profundidade e sombras utilizando Tinta LĂ­quida Indiana, e acrescento esse fundo azul, que cria uma espĂ©cie de moldura para o desenho. Algumas pessoas jĂĄ me perguntaram como cheguei nisso, porque eu faço isso em vĂĄrios desenhos, bom hoje faço porque gosto, mas os primeiros eu fiz porque durante uma das minhas viagens, no caso de bicicleta, eu poupei peso da minha bagagem em cada grama! É no caso que sĂł levava comigo 1 lĂĄpis,  1 caneta preta e 1 lĂĄpis  de cor, que no caso escolhi azul, para colorir o cĂ©u.

No fim dessa viagem eu tinha um sketchbook inteiro com todos desenhos com esse fundo azul… era para ser. (Ainda vou postar mais sobre essa viagem Ă© os desenhos que fiz durante essa experiĂȘncia estou aos poucos passando para o digital.)